Duas poltronas castanhas, tal como a maioria dos ses calçado, como a maioria dos seus casacos. A acompanhar algumas plantas. Verdes, amarelas, vermelhas, laranja. Na parede branca principal um quadro de De Almeida E Silva pintado em dois mil e trinta. Tinha conhecido o pintor num trabalho que fez para um ensemble ao qual o pintor pertencia. Esse era um dia especial. Ia finalmente almoçar com o Sérgio que lhe tinha pedido compreensão para uma letra recente que criara. O Sérgio tinha envelhecido mas conservava um brilho nos olhos de quem se tinha cumprido como homem.
- ( Está bom o coelho, não está?) ( Que tal o coelho?)
- Já te disse que o coelho está uma delícia?
- Sabes quantos quilos tinha este coelho depois de tratado?
- Não!
- Quatro quilos e meio!
- Não!
- Sim, senhora! Quatro quilos e meio!
- Á sua saúde, então!
- Á nossa
Na parte de trás do gabinete tinha uma cozinha e um jardim. No meio do jardim tinha uma Nogueira. A ladea-la, duas cadeiras de verga em forma de cesto, penduradas em ramos das árvores e com almofadas lá dentro. Quando não as usava para conversas mais íntimas , ficava simplesmente a olhar ou a fotografar os pássaros que pelo jardim pousavam.
- Então que fazes estes dias? - perguentou Sérgio
- (ele sorriu)
- (Sérgio sorriu de volta)
Tudo tinha começado num dia em que se cruzaram em Santa Apolónia. Ele abordou-o.
- Sérgio. Deixe-me dizer-lhe quanto eu o aprecio e do meu desejo (ao mesmo tempo convicção) que tenho de estarmos sentados os dois á mesma mesa.
- (Mudo).
- Permita-me que lhe entregue o meu cartão de contacto, caso um dia destes precise de alguma coisa.
Sérgio observou:
- Mas é apenas um nome!
- Na altura certa bastará. Tudo de bom, Sérgio!
E agora, ali estavam no jardim, a baloiçar e a olhar para os pássaros, depois de um coelho de quatro quilos e meio depois de tratado.
Pela janela do escritório via-se o tecto de calçada portuguesa.
- Aquilo é o que eu estou a pensar?- disse Sérgio.
- A calçada? Que estás tu a pensar?
- Que o tecto de uns é o chão de outros.
Ele sorriu e olhou para a calçada. Aquela calçada tinha sido feita por uns calceteiros de felgueiras. Um dia, ia ele jogar futebol e passou por uns caceteiros, os calceteiros á vinda já não estavam , estava apenas um ajudante que lhe esteve a dizer por alto o que entendia daquela arte. O seu nome de guerra era obikuelo, era alto, forte e negro e já tinha feito vida a correr. Deu o contacto para a execução de um projecto que estava em marcha. Depois teve a oportunidade de, por volta de Abril, trabalhar como calceteiro em Felgueiras e em Lisboa, numa escola de calceteiros. Por acaso, e como estavam mais perto do gabinete, vieram eles, de Felgueiras, fazer o trabalho que foi bem difícil pois a falta de gravidade é uma grande falta.