Das sequências imprevisíveis

Quando queremos gerar mudanças nas nossas vidas não podemos deseja-lo com base na premissa de que vamos perceber todas as consequências antes de agir. Em Março de 2020 todo o sementes estava preparado para ser uma experiência completamente comunitária. Duas àreas nas quais me quero focar. Área de música com orgão, viola, cavaquinho, bandolim, etc. Área de conversa e lanche. Todas com cadeiras dispostas para experiência de grupo. Pois bem. Chegou a pandemia e a dimensão comunitária ficou em pausa. Estes dias percebi que a disposição do espaço era anacrónica, revelava uma intenção que, no imediato, não pode ter expressão. Tirei todas estas cadeiras das zonas da frente. Isto implicou mexer nos cavaletes de pintura e realizar que já lá estava há muito tempo uma pintura realizada pela Melissa Veras num dos Grupo de Transformação Pessoal. Acabei por substitui-la por uma tela que já comprei há imenso tempo e que estava à espera de uma oportunidade.

“Cinzento, pensei. Quero pintar de cinzento” Peguei em tinta branca e em tinta preta (que vinha ainda dos meus tempos de Londres) e misturei. Um pote jeitoso.

A sequência da pintura foi mais ou menos esta. Fiquei impressionado como o resultado final parecia uma placa de cimento. Falei com as artistas Maria Luís Giestas e Amanda Melo e ambas me disseram que realmente parecia mesmo.

Continuei a explorar a experiência. Queria ver melhor o efeito de cimento no papel e explorei isso nos postais:

Fazer o cimento foi muito interessante. Eu queria explorar sozinho. Sei que poderia pedir informações muito precisas mas não queria perder a oportunidade de fazer as coisas da minha cabeça. Esforçar-me por tentar adivinhar quantidades e procedimentos. Abraçar os erros como fonte de uma aprendizagem com história.

Foi engraçado o processo de “chapar massa” com a talocha. O cimento estava muito grosso porque em vez de pôr 4 medidas de areia para 1 de cimento eu tinha feito precisamente ao contrário. Isto disse-me o meu pai enquanto me tirava a talocha da mão e me explicava que a a massa tinha que estar homogénea. Atirar a massa contra a parede de tijolo é toda uma aventura e gostei da parte em que estava a tentar perceber qual seria o melhor movimento para conseguir colar bem o cimento ao mesmo tempo que afinava a direcção que foi a maior parte do tempo aleatória.

O resultado pode ver-se a seguir:

Isto é completamente exploratório. Não há uma intenção ou conceito por trás. As vontades surgem-me (quase nem são ideias) como imagens e depois eu trabalho no sentido de cumpri-las. Sempre com imensas aprendizagens no caminho. Este caminho da criatividade e aprendizagem de mãos dadas é quase infinito.

Já no espaço do sementes olhei para as placas de cimento que tinha feito e deu-me vontade de fazer alguma coisa com elas. E o que se faz com placas de cimento?

Na minha discussão com a Amanda Melo surgiram ainda outras ideias que poderiam ser interessantes mas não senti vontade de as perseguir. Sei que gosto da ideia de andar com os pés em cima de cimento fresco e que será interessante explorar essa possibilidade no futuro e surgiu-me também uma possibilidade de intersectar com um trabalho dela à volta do gesso. No momento achei que o processo criativo terminou.

Ainda teve mais um produto final. Talvez o produto final que está em exposição no sementes:

O interessante das sequências imprevisíveis também se pode ver no seguinte: desde o início que tinha ideia de pintar o cimento de azul e assim o fiz:

Por ser um barracão agrícola esta cor fez-me lembrar uma coisa que vai ser o próximo trabalho mas que para já não posso revelar. 🙂

Foram tantas as experiências, tantas as ideias que eu nem consigo registar aqui e tantas as possibilidades de seguir com este trabalho. Como é eu poderia imaginar que pintar uma tela de cinzento me levaria até aqui?