Temos um homem.
Esse homem está sentado sobre uma pedra. Esse homem está de pé junto a uma pedra. Esse homem está só, sempre esteve só. Esse homem tem a convicção que é um homem. Esse homem olha as estrelas. Esse homem tem o horizonte á sua frente. Esse homem mantém-se junto à pedra. Esse homem imagina o mundo. Esse homem imagina-se no mundo.
- Passa-me a caixa dos cereais, por favor.
- A que horas tens a reunião?
- Ás horas que eu chegar.
- És muito convencido.
- Eu não sou convencido: eu sou bom, muito bom. E mais...
- Que mais, meu senhor?
- Humilde. Sou o homem mais humilde que eu conheço.
- E eu também, meu senhor. Por isso entendo perfeitamente que se babe quando se olha ao espelho.
- Como não o fazer? Até o narciso não tira os olhos de mim.
- Vá lá, vai-te embora, senão ainda és despedido e com esta crise ainda tempos que ir viver para a casa dos meus pais outra vez.
- Deus me livre! Vou já a correr!
O Norberto é uma pessoa bem-disposta e que gosta muito de futebol. Joga todas as quintas à noite com os colegas do trabalho e vê religiosamente todos os jogos do seu Poooorto na televisão. Nesse dia de manhã, tinha-se zangado com o Chico da logística porque ele se tinha posto a dizer mal do Pinto da Costa e isso Norberto não pode aceitar. Virou-lhe as costas e foi para o seu departamento.
Ainda a começar e já me estragaram o dia- dizia ele para os seus botões enquanto bebia forçado o seu segundo café no trabalho a juntar ao que tinha bebido em casa com a mulher. Realmente em casa estava-se muito melhor do que no trabalho. Norberto gostava muito da sua mulher. Ainda não tinham filhos, mas ele não podia ter arranjado melhor mãe para eles.
Beatriz tinha uma frutaria no centro da cidade juntamente com a sua mãe. Cara rosada, braços energicos e sempre uma palavra de consolo a dar às suas clientes, que, graças a Deus, eram mais que muitas. Beatriz esforçava-se muito também por conseguir os melhores negócios para
as suas freguesas e estas agradeciam com a fidelidade á sua loja.
- Sabe mãe? Eu acho que o Norberto anda um bocado esquisito. Estou com a ideia que ele não tem mão no dinheiro.
- Ele anda com os olhos esgazeados, parece que está a ficar tolo.
- Ai mãe, vire-me essa boca para lá.
Ele ficou perturbado pela forma como tinha reagido ao comentário do Chico. Não costumava reagir assim. Tinha o peito a arder. Tão depressa lhe passou este pensamento na ideia como rapidamente lhe fugiu. Eram muitas mais as ideias que lhe iam pela cabeça e que faziam dele a pessoa mais inteligente do mundo. Tinha que ter cuidado para que não percebessem nada. Por não ter tido cuidado tinha tido outras ocasiões que não lhe tinham corrido muito bem.
- Sabes muito bem filha que ele já teve vários repentes. Quando lhe dá para não ir trabalhar não vai e agora só pode estar a ficar pior.
- A mãe é que não o conhece, ele é um anjo de pessoa.
- Eu sei que ele é um anjo, filha! Mas ele não anda muito bem e tu tens que compreender isso.
O Senhor Silva, chefe do Norberto, homem recto e bondoso ia contemporizando. Sabia que as ideias dele eram muito úteis ao departamento mas que últimamente as coisas começavam a deteriorar-se. Norberto não conseguia terminar nenhum trabalho e passava horas em conversas com os seus colegas.