E se os meus vícios não me estiverem a deixar criar?

Estou cada vez mais consciente do tempo que perco com coisas que não são realmente do interesse maior. Mesmo sendo psicólogo e gostando de estudar o que se passa com o ser-humano, dou por mim a entrar num buraco sem fundo. Um dos exemplos é passar muito tempo no facebook. No meu gabinete acontece pouco porque, vá-se lá saber porquê, não tenho tanta tendência a ir ao facebook como no telemóvel. Mas em casa começou a ser preocupante. Costumo deixar o telemóvel no andar de baixo, nos últimos tempos tem sido mesmo raro levá-lo para cima quando vou dormir ou fazer uma sesta mas dei por mim no fim do jantar (não usamos telemóveis à mesa durante as refeições e já não temos televisão em casa há mais de uma década com efeitos incríveis que poderei abordar noutra altura) a levantar-me da mesa para pesquisar alguma coisa nas redes sociais. Droga. Droguinha da boa. Como deves saber é muito difícil ter o telemóvel ligado e resistir a todas as seduções tecnológicas amplamente potenciadas pela inteligência artificial e os seus reforços intermitentes e outros cracks psicológicos. Decidi desligar o telemóvel ao domingo. Correu bem, embora senti-se sempre a tensão de ter ali o telemóvel e poder liga-lo. Foi o que aconteceu no feriado de dia 1 de Dezembro. Acabei por consumir, confesso. Liguei o telemóvel e foi por ali a fora.

Para uma pessoa que goste de perceber a lógica das coisas, a internet é um poço sem fundo. Há sempre mais um vídeo que tem mais uma pepita preciosa e que por sua vez gera mais uma dúvida. Cada ideia é por si mais uma possibilidade de perceber a realidade de uma maneira completamente nova e tem, por isso, consequências bastante aditivas. Quem gostar desse “Aha moment” corre o risco de ficar para sempre preso. Uma espécie de caixa de pandora. Há sempre algo mais a saber e a perceber. Isto é perigoso? É!

Nesta tentativa de limpeza dos ambientes tecnológicos para não ficar sempre na tensão de que posso por a mão ao bolso e diminuir a minha ignorância ou sentimento de desconexão acabei por experimentar deixar o telemóvel no gabinete. A minha disponibilidade em casa não tem nada a ver. Estou muito mais disponível. Procuro mais os livros. Sou mais activo e organizado.

Um dos aspectos que me fez pensar do grau a que isto é uma droga foi estar quase no fim da minha sesta e lembrar-me em sobressalto que o telemóvel estava no gabinete. A ressacar do telemóvel!

Agora estava aqui a escrever uns projectos e veio-me esta ideia à cabeça: o nosso tempo é limitado e a nossa energia motivacional para agir também. Se eu estiver no meu tempo livre dedicado a estas tecnologias da informação, redes sociais e outras que tais, corro o sério risco de estar a consumir informação (sim porque se há coisa em que nos transformamos realmente foi em consumidores) até ao ponto em que não posso mais porque tenho deveres a cumprir. Quantas pessoas não ficam até às 3 da manhã em séries e só terminam porque têm que acordar de manhã para trabalhar?

Tu tens um imenso potencial criativo, porém a criatividade precisa do ócio. A criatividade precisa que eu me aborreça e que espere que algo me surja na cabeça. Começar um trabalho de escrita ou de bricolage, aprender um instrumento musical, dançar, uma língua, tudo isto demora tempo e exige resistência à frustração. Estaremos lentamente nós a ser transformados em animais viciados que depois simplesmente carregam em teclas para suprir as suas necessidades?

A pergunta é mais simples: será que só tens tempo para o trabalho, os deveres e os vícios?